O Tombo de 1638 da Comenda de Santa Maria de Ares da Ordem de Cristo

Arez situa-se geograficamente muito próxima das vilas que faziam parte do conjunto fronteiriço medieval, Niza, Alpalhão e Montalvão, mais concretamente da linha defensiva a cargo da Ordem Militar de Cristo que compreendia neste ponto geográfico 3 fortalezas, todas na margem esquerda do Tejo, as quais organizavam um vasto território onde a Ordem exercia jurisdição senhorial e onde Arez se integrava, muito a par da evolução da vila de Niza.

O Titollo da Comenda de Ares de 1505, que aparece integrado no Tombo dos bens e propriedades pertencentes à Comenda de Niza da Ordem de Cristo, foi transcrito e publicado por Iria Gonçalves na obra Tombos da Ordem de Cristo, Comendas a Sul do Tejo[1], pelo Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa. Mas no âmbito da investigação para a Dissertação de Mestrado de História Regional e Local em 2008, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, nomeadamente Arez da Idade Média à Idade Moderna – Um estudo monográfico[2] foi identificado e analisado um Tombo do século XVII que se encontra no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa e que aqui se pretende resumir.

O Tombo

O Tombo de Stª. Maria de Ares da Ordem de Cristo [3], é composto por 82 fólios e o termo de abertura data de 5 de dezembro de 1638 e o de encerramento de 6 de fevereiro de 1639. Este Tombo foi elaborado sob o reinado de D. Filipe III de Portugal, cujo tabelião é o Licenciado Damiano D’Aguiar, juiz de fora na vila de Niza e o escrivão é Pedro do Rego da Silveira, tabelião do público judicial.  No conteúdo deste livro constam os Bens e Propriedades da Comenda de Santa Maria de Ares e a Medição e Demarcação dos termos com as vilas de Nisa, Vila Flor e Amieira.

Tombo-da-Ordem-de-Cristo-1638
Tombo da Ordem de Cristo – 1638

A partir desse Tombo foi possível confirmar que o Comendador de Ares à data era Henrique Correia da Silva, filho do Administrador de Ares, Fernando Marques de Oliveira, morador em Lisboa. Pelo que se pode concluir que se tratava de uma Comenda herdada por via materna. No entanto, a esta altura, Henrique ainda não tinha idade para professar, pelo que foi o pai ainda a dar poder para o Tombo ser elaborado e um dos motivos pelo qual foi realizado, foi a necessidade de marcação dos limites, os quais parecem ter gerado dúvidas, pelo que se procedeu a uma nova demarcação territorial. A partir dessa demarcação concluíram que o Termo de Ares partia com o termo das vilas de Nisa, Vila Flor e de Amieira.

Para além da demarcação, o referido Tombo confirma-nos que, a portagem da vila de Ares pertencia à Ordem de Cristo, pagavam à Comenda “um alqueire de premiça da qual semente que semearam que já mesmo chegam a ser 40 alqueires”. Assim como, era o Bispo de Portalegre e o Cabido que levavam a Quarta parte e sem embargo. No entanto, uma das informações mais relevantes é referente aos bens e propriedades de Ares, confirmando que a Ordem de Cristo não possuía nenhum bem na vila, mas sim a sua jurisdição. A Comenda não tinha posses materiais em Ares, mas tinha sim, o controle institucional, os Rendimentos e Direitos, a par com a Igreja, nomeadamente com os Bispados, primeiro com o da Guarda e mais tarde com o de Portalegre.

Ao analisar este Tombo confirma-se que Ares ainda se encontrava nesta época no Limite de Nisa, e segundo as informações encontradas, em 1638 encontrava-se no Termo de Nisa. Pelo que a elaboração do Tombo baseia-se essencialmente no Processo de Demarcação da Vila de Ares com as vilas de Nisa, Amieira e Vila Flor. Ou seja, com 2 comendas da Ordem de Cristo, Niza e Vila Flor e 1 comenda da Ordem do Hospital, Amieira.  A Comenda de Santa Maria de Ares não tinha foros nem prazos, somente punha posse antiga, e não sabem se pagavam o montado à Comenda. O gado do vento pertencia à Comenda, os moradores e criadores da vila de Ares pagavam somente pela metade dos dízimos da criação que se achavam para a Comenda e comendador e os seus rendeiros cobravam a dita.

Segundo uma Provisão de D. Filipe III, aquele tombo teve como principal objetivo proceder à Medição e Demarcação e tombo dos bens da vila de Ares. A demarcação iniciou-se pelos termos das vilas de Ares e de Niza, e teve início em 13 de janeiro de 1639, no sítio do Vale da Lama. A segunda entre os termos de Ares e Vila Flor, iniciou-se no dia 26 de janeiro do mesmo ano e teve o seu início no sítio do Vale dos Homens e finalmente em 3 de fevereiro iniciou-se a terceira e última, a de Ares e Amieira no sítio do Marco da Urra. As três tiveram em comum o mesmo Tabelião do Público Judicial e Escrivão do Tombo, Pedro Rego da Silveira, e ainda o mesmo Tabelião do Tombo, Diogo da Silveira e nas três esteve presente o Procurador do Comendador da vila de Ares, Lucas Fernandes.

A respectiva medição foi feita em Cordas e Braças e foram colocados Marcos, mas passemos a enunciar as referências que obtivemos dos locais onde foram colocados estes marcos e que nos ajudam também a reconhecer diversos topónimos. De facto, o número maior de marcos, corresponde também à maior área de delimitação, que obviamente é na divisão com o termo de Nisa, e para o qual foram necessárias 3 testemunhas de cada vila, homens antigos segundo o texto, para testemunhar e auxiliar na marcação.

A demarcação dos termos de Ares e Niza

O processo de demarcação teve início no sítio do Vale da Lama, passaram, pela Vereda da Sardinheira, pela Defesa da Seiceira, pela Coutadinha, Vale da Soureira (sobreira), ribeira de Sor de Ares, estrada Nisa/Ares, pelo penedo do Delirado, ribeira do Figueiró, cabeço do sítio da Fonte de João Sares, caminho de Nisa/Amieira, Sardinheiro, penedo da Cova dos Coelhos, Lameira, terra de Francisco Lopes, mato das Tibas, Vale do Minhoto, marco da Pedra Ferrenha no caminho para Vila Flor e terminaram no monte da Fonte Branca.

A demarcação dos termos de Ares e Vila Flor

A marcação dos termos de Ares e Vila Flor, teve início no sítio do Vale dos Homens, marcou-se então a terra de Manoel Luis, do moço de Vila Flor, o marco da Anta, a ribeira do Figueiró, o ribeiro que pega à ribeira do Figueiró, o olival de Simão Dias, o olival Grande, a foz do Azinhal da Casa Velha, de novo a ribeira do Figueiró, o mato da Urra e a estrada de Ares/Amieira.

A demarcação dos termos de Ares e Amieira

A demarcação dos termos de Ares e Amieira, onde foram necessários marcos em menor número, mas a que necessitou de mais presenças, uma vez que se tratava da delimitação de terras de duas Ordens Militares distintas, a Ordem de Cristo e a do Hospital, e em que esteve presente o Procurador do Senhor Infante, António de Góis. De facto, é o único marco de que ainda há referência visível, apesar de existir no suposto local uma cópia do antigo Marco com a identificação dos símbolos das Ordens Militares. Então, a demarcação teve início exactamente no mato da Urra e seguiu para a estrada que vai para o Crato, fixando a ribeira de Alferreireira, a foz da Ribeira, a Sanguinheira, a Almeigeirinha, a Almeigeira, a estrada de Abrantes e finalizando na ribeira de Sor.

No que diz respeito à produção deste Tombo, de facto, não nos adianta muita informação, mas confirma as informações do Titollo da Comenda de santa Maria de Ares de 1505 e do Foral de Arez de 1517. Assim como nos reconfirma que a Comenda da vila de Ares “não tem foros nem prazos, somente põe posse antiga” e ainda a de que “os moradores e criadores de Vila Flor pagam metade dos Dízimos da criação que criam que se chama a quarta parte, a comenda desta vila, o comendador e seus rendeiros a dita quarta parte como antigamente”. Declararam ainda que “os moradores desta vila de Ares não pagam à Comenda mais que o Dízimo a Deus, e os de fora que não têm terras suas pagam o Dízimo, e a Comenda desta vila excepto os de Niza que ainda vivem no termo não pagam o Dízimo á vila da Niza porque as terras seriam as suas próprias ou de renda, e as ditas pessoas que vêm de fora lavrar a esse termo, não sendo os de Niza, pagam-no a esta Comenda como se fossem moradores nela”. E finalmente que “os moradores da vila de Ares pagam mais à Comenda desta vila além do Dízimo, um alqueire de premiça da semente que semearam, que já mesmo chegam a ser 40 alqueires, e que o Dízimo do pão se continua a pagar na eira, o do vinho à bica do lagar e o Dízimo do linho no tendal”.

Este importante testemunho documental demonstra-nos que as fontes históricas documentais ainda têm muitas potencialidades por explorar, quer para o aprofundamento do conhecimento da História local, regional e nacional, uma vez que é exatamente no confronto das fontes documentais, arqueológicas, epigráficas e antropológicas que se questiona, comprova e compreende muitos dos fenómenos, factos e tradições ainda hoje reconhecidas no território e na tradição oral das vilas e cidades. O que é inegável é a sua importância para a construção da identidade territorial e das populações que a habitam séculos depois do propósito das fundações das mesmas, neste caso desde o longínquo século XIII, pelo que vale a pena a sua divulgação e sobretudo é fundamental o cruzamento das várias fontes dispersas existentes nomeadamente por toda esta região em particular.

 

[1] GONÇALVES, Iria (2002) Tombos da Ordem de Cristo: Comendas a sul do Tejo (1505-1509), ed. Centro de Estudos Históricos, Universidade de Lisboa.

[2] In LEITÃO, Ana Santos (2013), Arez da Idade Média à Idade Moderna, Ed. Colibri, Lisboa.

[3] ANTT, Mesa da Consciência e Ordens, Tombo das Comendas da Ordem de Cristo, Comenda de Stª. Maria de Ares, 1638, Liv. 59.

 

Autor: Ana Santos Leitão
Doutora em História (CH- FLUL)