As águas no sistema jurídico português

O Livro III do Código Civil, dedicado ao Direito das Coisas, consagra o Título II ao “Direito de propriedade”, no qual se insere o Capítulo IV sobre a “Propriedade das águas”.

Nesse Capítulo, o art.º 1385.º classifica as águas em públicas e particulares, estando as primeiras sujeitas ao regime estabelecido em leis especiais e as segundas às disposições dos artigos seguintes do Código e que decorrem até ao art.º 1402.º

São águas públicas as que “pertençam ao Estado e a outros entes públicos e que se destinem a gozo direto de todos, bem como as águas que nasçam ou caiam em prédios particulares, logo que ultrapassem abandonadas os limites do prédio onde sejam aproveitadas como águas particulares ao abrigo de um direito e que atinjam, direta ou indiretamente o mar”, na definição do STJ de 15-11-2012.

O regime das águas públicas tem o seu enquadramento na Lei n.º 58/2005, de 29-09, na redação da Lei n.º 42/2016, de 28-12 (Lei da Água).

O caráter de água particular é taxativo, sendo apenas as águas que se encontram nalguma das condições de facto ou de direito arroladas nos artigos 1386.º e 1387.º, n.º 1 do Código Civil.

O art.º 1386.º considera como águas particulares as que nascem em prédios particulares e as pluviais que nele caírem, bem como as águas subterrâneas, lagos e lagoas existentes em prédios particulares, bem como as águas originariamente públicas que tenham entrado no domínio privado ou águas subterrâneas existentes em terrenos públicas, municipais ou de freguesia, exploradas mediante licença e destinadas a regas ou melhoramentos agrícolas.

Esta lista, segundo o comentário ao citado artigo do Código Civil Anotado (in Vol II, 2.ª Edição, Almedina, a fls. 201/2) coordenado por Ana Prata, pode ser arrumado em dois grupos: águas particulares por referência a um prédio particular, sejam correntes, subterrâneas ou delimitadas (als. a), b) e c)), respetivamente, e águas particulares por ato administrativo ou águas originariamente públicas (als. d), e) e f)).

Sobre o aproveitamento das águas, regulado na Seção II do Capítulo em análise, convém evidenciar o art.º 1394.º sobre as “Águas subterrâneas”, cujo n.º 1 estipula que “é lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços ordinários ou artesianos, minas ou quaisquer escavações, contando que não prejudique direitos que terceiro haja adquirido por título justo”.

Algumas das utilizações das águas particulares estão sujeitas a autorização prévia, nos termos do art.º 62.º da aludida Lei n.º 58/2005.

Decorre ainda do n.º 4 do mesmo artigo, que a sua captação exige a simples comunicação do utilizador à entidade competente para a fiscalização de utilização de recurso hídricos quando os meios de extração não excedam os 5 cv, salvo se a referida captação tiver um impacte significativo no estado das águas.

Desta Lei destacamos ainda o art.º 10.º sobre a atribuição do título de utilização de recursos hídricos, através da apresentação do requerimento para a sua emissão previsto no art.º 14.º, sendo o 41.º relativo à pesquisa e captação de águas subterrâneas e o 42.º para as de consumo humano.

Existe atualmente legislação específica sobre a captação e uso das águas subterrâneas de terrenos particulares, consagradas no DL n.º 97/2008, de 11 de junho, pelo que pode haver lugar ao pagamento da Taxa de Recursos Hídricos (TRH), calculada de acordo com a seguinte fórmula: TRH=U, em que U corresponde à utilização de águas sujeitas a planeamento e gestão públicas. Para a determinação dos volumes de água utilizados o titular da Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos – Captação de água Subterrânea, concedida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) é obrigado a montar um sistema de medida que permita conhecer os volumes de água extraídos mensalmente, através de um sistema de registo (contador) ou por medição indireta, devendo os valores ser comunicados anualmente à APA até 15 de janeiro de cada ano.

Importa ainda fazer alusão à Portaria n.º 948/92, de 29/09, que fixa o perímetro de proteção da água mineral natural HM-2, denominada “Fadagosa de Nisa”, bem como as Decretos-Leis n.ºs 85/90, 85/90 e 86/90, todos de 16/03, que aprovam os regulamentos, respetivamente, da exploração das águas de nascente, das águas mineroindustriais e das águas minerais.

 

 

Autor: Alcides Pimentel
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